19 dezembro 2019

COLANDO OS CACOS (Ou o que sobrou de nós)





                Final de ano é assim. Começamos a repensar atitudes, refletir sobre algumas ações e, se não tomamos conta, dá até uma deprê. Chegamos ao fim do ano como um vaso de vidro que se espatifou no chão, em mil pedaços.
            “Pensamentos e palavras, atos e omissões”. Esse é um trecho do ato penitencial, parte da missa da igreja católica, em que se faz um exame de consciência.
              Consciência...  Que bom seria se a tivéssemos plenamente sobre o que fazemos, o que nos cerca, o que queremos. Talvez, nossas atitudes fossem menos egoístas e mais assertivas.  Pois, seres em constante busca pela sobrevivência que somos, muitas vezes, perseguimos “minha sobrevivência”, “minha glória”, “minha vitória”, “meu sucesso”, individuais, em detrimento do sucesso coletivo.
              Gostaríamos de só ter pensado coisas boas de todos; gostaríamos de só ter proferido palavras de gratidão; gostaríamos de só ter agido pelo bem;  gostaríamos de não ter nos omitido quando o mal agia. Mas, num verdadeiro ato penitencial, tomamos consciência de que fizemos tudo (ou quase) contrário a isso.
                Resta-nos catar os cacos que sobraram da queda do vaso de vidro. Muitas vezes, impossível de colar, sem deixar à mostra as emendas. Ou, será que, por causa delas, é que não erramos reiteradamente? E ainda que as marcas sejam disfarçadas, quem se quebra como um vaso caído ao chão, sabe que os cacos estão colados e nunca mais será o mesmo.
                De qualquer  forma, vale catar os caquinhos e seguir adiante, com a consciência das marcas de cola na alma.

Cláudia Ferreira
Dez/2019
               

08 novembro 2019

SOU BRANCA



Nasci branca.
Fazer o quê?
Cor da pele me persegue.
Sou menos brasileira?
Nunca achei.

Vem,  Véio Minga.
Vem,  Dona Amélia.
Vem,  Vó Antonilha.
Vem,  D. Júlia Ouverney.
Vem, Tio Manoel Dias.
Vem,  Dona Laura.
Vem,  Dona Eva.
Vem,  Seu Cláudio.
Vem,  Cumpadi  Nego.
Vem,  Seu Joãozinho!
Vem,  mãe Denair!

Vêm dançar comigo essa ancestralidade.
Vêm cantar comigo toda influência.
Vêm com seu fogão à lenha.
Vêm com seus tamancos.
Vêm com sanfonas e violões.
Vêm festejar nos assoalhos dos salões.

É ferro de passar com brasa.
Cuidado! A faísca caiu no tecido.
Vai estragar!
É tacho de melado.
Espera menina. Precisa esfriar!
É banho gelado na represa.
Quem vai encarar?
É fruta pão.
É travesseiro de paina.
É o eco da serra.
É a criançada em festa.
É tempo de despertar...

A cor não importa mais.
Ficaram os cheiros.
Ficaram os sons.
Ficaram as emoções.


Cláudia Ferreira
8 de novembro de 2019

24 outubro 2019

RAIVINHA X RAIVA




Procurei no dicionário
E não encontrei uma vez
O significado exato
Um meio-termo talvez

Então decidi inventar
Com um pouco de insensatez
Meus próprios significados
Desculpem minha altivez

Raivinha é aquilo que passa
É a briga com o namorado
É o desandar da massa
É a insatisfação por ter corado

Raivinha vem e vai
Coisa do momento
Logo, logo se esvai
E cai no esquecimento

Raiva é diferente
Fica no pensamento
Doí e corrói a gente
E afeta o sentimento

Raiva é o que se sente
Raiva é o que dá
Quando se vê tanta gente
Buscando o que não há

Raiva pode ser cruel
Limita, esmaga, escalpela
Mas cumpre o seu papel
Se a injustiça ela atropela

Cláudia Ferreira
24 de outubro de 2019


BRASILIDADES



                Perambulando pelo Mercado Modelo, em Salvador, à caça de uma pequena lembrancinha para minha sobrinha, encantei-me com um instrumento musical, parecido com um tamborzinho.

                O vendedor, imediatamente, veio atender-me, embora a loja estivesse cheia de gente.
Fazendo gestos e soletrando as palavras, como a ensinar a língua portuguesa para um estrangeiro, ele batia no tamborzinho e dizia:

                _ Cou-ro, cou-ro-de-ca-bra.

                Depois, pegou outro instrumento e repetiu:

                _Ma-dei-ra, ma-dei-ra.

                Senti-me como Murilo Mendes, exilado, dentro de minha própria terra. Em frações de segundos, desejei não ter estas características europeias, herdadas da mistura de suíços e portugueses.

                Sem saber direito o que fazer, mas achando hilária a situação, embora estivesse perplexa (e muda), fiz gestos que indicavam perguntar o preço, ao que ele respondeu:

                _ Cin-quen-ta. Mostrando-me uma cédula da moeda do meu país!

                E eu mais que depressa:

                _ Cinquenta pra gringo. E pra brasileiro, quanto é que custa?


Cláudia Ferreira
Janeiro de 2002



15 outubro 2019

UM ACRÓSTICO BEM SIMPLES (Para quem a luta é complicada!)



Professor
Resiliência
Opção
Fé
Excelência
Sabedoria
Sapiência
Organização
Recompensa

Cláudia Ferreira
15 de outubro de 2019

05 outubro 2019

PALAVRAS



Duas palavrinhas difíceis,
Muito usadas, hoje em dia,
Uma é ideologia.
A outra é democracia.
Uma é pessoal.
A outra coletiva.
Mas, às vezes,
A situação é invertida.
A ideologia é deles.
A democracia é minha.
Ideologia é do mal.
Democracia?
Acho que você não sabe!



Cláudia Ferreira
5 de outubro de 2019

DILEMA



Casa,
Trabalho,
Contas,
Compromissos,
Desejos.
Os vizinhos?
Não os vejo.
A família?
Poucos beijos.

Esse é o mundo do poeta,
Onde (nem sempre) a rima é a solução.

Ver,
Sentir,
Falar,
Partir,
Amar.

Se eu tivesse
Qualquer nome neste mundo,
Não rimaria com o sentimento mais profundo
E eu seria apenas
Alguém escrevendo um poema.

Cláudia Ferreira
2016

23 setembro 2019

É GUERRA?



Eu penso.
Você pensa.
Nós pensamos.
Logo, existimos!

Mas existimos em constante guerra.
É guerra de sexos.
É guerra partidária.
É guerra financeira.
Guerra de egos.
Guerra de status.
Guerra de stories.
Guerra de lives.

Enquanto isso,
Nosso verdadeiro inimigo se agiganta.
E, com tramoias sórdidas,
Vai nos roubando
A vontade de sorrir,
Os amigos de infância
E tantos outros.

Talvez não tenha fim.
Talvez não esteja só em mim
A estranheza de tudo parecer familiar
Ao nosso, ao seu, ao meu olhar.
A constatação de que tudo isso sempre existiu
E ninguém nunca viu.

Cláudia Ferreira
22/09/2019



21 setembro 2019

QUASE UMA CATARSE



                Tenho pensado muito sobre educação, em professores e gestores, e o caos que se estabeleceu nas escolas. Não saberia determinar ao certo motivos que nos levaram, a nós todos, envolvidos nesse processo, a pensar e agir de forma tão diferente de algumas décadas atrás. Fato é que a desesperança e falta de motivação parecem influenciar a todos: pais, alunos, professores e gestores.
                Hoje, não temos mais professores sem formação, pois todos, ou quase todos, até mesmo os das primeiras séries da educação básica, investiram em licenciaturas, especializações e mestrados em sua área de atuação.
                Vi a escola onde lecionei, por mais de 30 anos, sair da máquina datilográfica e do mimeógrafo (Alguém ainda lembra?) para computadores e impressoras a jato de tinta (Colorida!). Professores de Geografia, Ciências e outras disciplinas travavam verdadeiras batalhas com carbonos de várias cores para montar matrizes de mapas ou corpo humano.
                Vi essa escola, e outras, trocarem ventiladores “teco-tecos”, que se convertiam em mais um empecilho nas aulas expositivas, concorrendo deslealmente com nossa voz e unindo-se à conversa paralela dos alunos, por aparelhos modernos de ar condicionado.
                Agora, temos sala de informática, laboratório de ciências, sala de vídeo, biblioteca escolar, quadra de esportes, quadro branco, lousa digital (Aliás, o que foi feito disso?), etc, etc, etc... Temos. Utilizamos? Favorece a aprendizagem?
                Minha mãe cursou apenas até a 5ª série do antigo Ginásio, foi alfabetizada por um professor leigo, no alto da serra de Cachoeiras, onde ela vivia. Mais tarde, já adulta, casada, mãe de cinco filhos, matriculou-se no antigo Supletivo, onde estudou com professores que só possuíam o Curso Normal ou, no máximo, o antigo Curso de Adicionais (Alguém ainda sabe o que é isso?). No entanto, aprendeu a ler, a escrever, a fazer apenas as operações básicas, o que não a atrapalhou em nada a ser uma excelente cozinheira e costureira, fazendo tortas e bolos sob encomenda, elogiadíssimos em toda a cidade. Costurando, ela mesma desenhava e montava dos moldes à roupa pronta, em sua máquina, inicialmente de pedal e, mais tarde, elétrica (Chiquerésima!). Ambos ofícios aprendidos também com professores leigos.
                Qual é o verdadeiro problema, então, se parecemos ter evoluído tanto? Sempre estudei e lecionei cercada de alunos indisciplinados e, muitos, desinteressados. Sempre trabalhei com muitos professores e gestores também indisciplinados e desinteressados. Isso não parece ser o problema principal.
                Vejo que há uma falta de espaço para a busca de soluções verdadeiras! Colegas de trabalho que antes faziam da sala dos professores um local de debate, agora já não estão mais lá, ou não querem mais fazê-lo. Os COCs foram transformados em anotações mecânicas para alimentar bases de dados. Aliás, estamos todos muitos mecanizados.
                Professor vive de relatar fatos e conquistas, de se “gabar” do efeito que causou com esta ou aquela explanação numa aula que nem ele mesmo acreditava que encantaria tanto os alunos, de “gozar” (Quando o gozo é coletivo, então... Que coisa boa!) com o resultado positivo de uma avaliação feita anteriormente só para “descascar”.
                Tirem do professor a oportunidade e a vontade de falar do seu próprio fazer cotidiano, da sua lida com os alunos, da sua satisfação ou insatisfação com a rotina da sala de aula e lhe tirarão o brilho dos olhos.

Cláudia Ferreira
2018

VIDA



Manhã de 20 de agosto.
Acordei feliz.
Meu coração em festa.
Comemoração da vida
Que de mim brotou,
Há anos atrás.

De repente, a notícia.
Ônibus. Sequestro.
Ponte. Tumulto.
E quebrou-se a paz.

Desliguei-me do celular.
Desliguei-me da TV.
A realidade querendo entrar.

A notícia chega. A notícia vem.
Emoções confusas
E sons de tiros misturando-se
Ao choro de neném.

Cláudia Ferreira
21 de agosto 2019

PASSAGEIROS



Caramba!
No espaço de segundos,
Li sobre sua vida.
No espaço de segundos,
Li sobre sua morte.
Fernanda.
Arte pulsante!
Energia contagiante!
Num sopro, sua vida se fez.
Na falta de um sopro, sua vida se desfez.
Fica a sensação de efemeridade,
De areia vazando entre os dedos,
De vida que se desfaz,
Ligeira demais...

Cláudia Ferreira
25 de agosto 2019

16 setembro 2019

CARAS LIMPAS



Mascarados.
Mistura de medo, fascínio.
Quando ainda crianças,
Encantados.

Nesse universo mágico,
Homem-Aranha,
Batman,
Capitão América,
Zorro,
Morcego Vermelho.

Depois,
Descoberta e inspiração.
Diretas já!
O Sindicato somos nós!
Fora Presidente!
Vivas à Nação!

Caras na reta!
Caras limpas
Ou pintadas,
Mas nunca mascaradas!

Leonardos,
Betinhos,
Policarpos,
Sílvios,
Joãozinhos.
Quanta coisa me fizeram crer.
É... Meus heróis não morreram de overdose,
Mas ideologia, busco outra pra viver!

Cláudia Ferreira
2013

10 setembro 2019

RESPOSTA À "CARTA A UM ADOLESCENTE" DE RUBEM ALVES




                Querido Rubem,

               Há muito deixei de ser adolescente. Confesso que o fui até mais de vinte anos. Época boa, de poucos compromissos e muito romantismo. Porém, sou de uma geração de adolescentes que talvez não soubesse o que era a maldade, pelo menos não o tipo de maldade descrita por você, em sua “Carta a um adolescente”. Éramos mais inocentes? Não sei. Mas de uma coisa tenho certeza, éramos mais humanos e mais condescendentes com a natureza, com os mais velhos, com os professores.

                Se tínhamos mais medo? Também não sei. Mas respeitávamos as regras sem que isso nos abalasse ou nos traumatizasse. Talvez uma geração crescida em meio a um poder camuflado no crescimento do país, à força a às pressas, mas uma geração que sabia do poder dos pais sobre nossas atitudes como uma forma de proteção e não de agressão.

                No meu ovo, portanto, Rubem, guardo isto. Guardo momentos de uma adolescência sadia. Guardo broncas, sempre educativas, do meu pai. Guardo a ranzice carinhosa de minhas avós. Guardo as críticas construtivas de alguns professores, guardo também os anos de universidade na “cidade grande”; minha intelectualidade; as viagens que pude fazer.

                O meu ovo também está repleto de frustrações, entre aquilo para o qual me preparo cotidianamente (e bem) e aquilo com o qual me deparo nas salas de aula. Ainda me assusto com situações em que me obrigo a ser mais assistente social ou psicóloga do que meramente uma professora de língua portuguesa.

                Tenho medo também, como você, Rubem, de entregar meu ovo a alguém que o quebre e queira depois colar a casca, em vão, já que o conteúdo se perdeu. Ou será que já o quebraram e nem vi?

Cláudia Ferreira
2006

08 setembro 2019

MEU CORAÇÃO É VERMELHO!





Verde, amarelo, azul e branco
São as cores de minha bandeira.
Orgulho para a pátria brasileira,
Que, há 500 anos, vive em pranto.

Mas, por dentro, minha cor é o vermelho.
Como vermelho é o sangue dos indígenas,
Mortos por questões ínfimas.
E nessa cor eu me espelho.

Como vermelho é o sangue dos negros
E de toda a barbárie sofrida
Nas mãos do colonizador vil.

Como vermelho é o rubor de minha face,
Como vermelho é meu coração que bate,
Ao indignar-me pelo Brasil.


Cláudia Ferreira
Outubro 2018

05 setembro 2019

DELETAR




Quero uma lei!
Por favor, façam-me uma lei!
Que decrete o fim da saudade.

A partir desta data,
Fica decretado
Que ninguém mais,
Jovem ou velho,
Adulto ou criança,
De qualquer etnia,
De qualquer credo,
Com ou sem esperança,
Ninguém mais sentirá saudade.

Parágrafo primeiro:
Junte seus LPs,
Suas roupas velhas,
Os brinquedos de infância,
Sua máquina fotográfica obsoleta,
Aquela também, de datilografar.
As vezes em que disse “amém”,
Ou “graças a Deus”,
Ou “muito obrigado”.
Pois tudo isso é ultrapassado.

Jogue fora a alegria,

Momentos de nostalgia,
Delete os sorrisos,
Delete a Gilette, o Grapette.

Parágrafo segundo:
Se tudo isso realmente acontecer,
Delete-se!

Cláudia Ferreira
2012



04 setembro 2019

ONDE NÃO HÁ PRECONCEITO



Por que limitar
Branco, preto, amarelo?
Há preconceito no arco-íris?
Qual será o mais bonito?

Se fôssemos azuis, amarelos,
Pretos, vermelhos, verdes,
Enfim...
Que cor escolheria pra mim?
Talvez a que representasse a alma
E não a epiderme.

Cláudia Ferreira
198?

03 setembro 2019

NOSTALGIA



A professora do primário dizia:
Primavera: a estação das flores!
E da janela eu apenas via
Concreto, edifícios, cinza, dores...

O que restou das cores
Que em minha vida havia?
Esconderam-se nos arredores
Da minha infância vazia.

Você me perguntará o porquê de tanta nostalgia?
Sou do tempo em que aviãozinho
Era apenas um brinquedo.
Sacolé era um sorvete gostoso!!!
E pretinho era o apelido carinhoso
Do moleque ali da esquina.


Cláudia Regina Ferreira
1988

SOBRE NOSSOS PARLAMENTARES E TAIS

E vem aumentando a lista que se enquadra na máxima de que "político é tudo igual, nenhum presta". Nos últimos dias, nosso Congress...