10 setembro 2019

RESPOSTA À "CARTA A UM ADOLESCENTE" DE RUBEM ALVES




                Querido Rubem,

               Há muito deixei de ser adolescente. Confesso que o fui até mais de vinte anos. Época boa, de poucos compromissos e muito romantismo. Porém, sou de uma geração de adolescentes que talvez não soubesse o que era a maldade, pelo menos não o tipo de maldade descrita por você, em sua “Carta a um adolescente”. Éramos mais inocentes? Não sei. Mas de uma coisa tenho certeza, éramos mais humanos e mais condescendentes com a natureza, com os mais velhos, com os professores.

                Se tínhamos mais medo? Também não sei. Mas respeitávamos as regras sem que isso nos abalasse ou nos traumatizasse. Talvez uma geração crescida em meio a um poder camuflado no crescimento do país, à força a às pressas, mas uma geração que sabia do poder dos pais sobre nossas atitudes como uma forma de proteção e não de agressão.

                No meu ovo, portanto, Rubem, guardo isto. Guardo momentos de uma adolescência sadia. Guardo broncas, sempre educativas, do meu pai. Guardo a ranzice carinhosa de minhas avós. Guardo as críticas construtivas de alguns professores, guardo também os anos de universidade na “cidade grande”; minha intelectualidade; as viagens que pude fazer.

                O meu ovo também está repleto de frustrações, entre aquilo para o qual me preparo cotidianamente (e bem) e aquilo com o qual me deparo nas salas de aula. Ainda me assusto com situações em que me obrigo a ser mais assistente social ou psicóloga do que meramente uma professora de língua portuguesa.

                Tenho medo também, como você, Rubem, de entregar meu ovo a alguém que o quebre e queira depois colar a casca, em vão, já que o conteúdo se perdeu. Ou será que já o quebraram e nem vi?

Cláudia Ferreira
2006

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