Eu, armado e cidadão de bem,
Fazendo minha própria filha assediada
de refém.
Eu, armada e filha violada,
Exterminando meu algoz, numa
emboscada.
Eu, armado e motorista,
Resolvendo briga de trânsito na
pista.
Eu, armado e passageiro,
Disparando no condutor um tiro
certeiro.
Eu, armado e marido,
Vingando meu orgulho ferido.
Eu, armada e mulher,
Punindo quem mal me quer.
Eu, armado e cristão,
Atacando outra religião.
Eu, armado e do candomblé,
Revidando o ataque à minha fé.
Eu, armado e adolescente,
Tirando a vida de um colega, num
repente.
Eu, armado e pai ausente,
Escondendo meu ato inconsequente.
Eu, armado e filho drogado,
Ameaçando minha família por uns
trocados.
Eu, armado e pai,
Querendo abafar os meus ais.
Eu, armado e homofóbico,
Matando o que, em mim, é óbvio.
Eu, armado e LGBTQI,
Calando quem não me quer por aqui.
Eu, armado e racista,
Apagando o que, na minha própria
pele, está à vista.
Eu, armado e afrodescendente,
Revidando suas piadas indecentes.
Eu, armado e cidadão protegido,
Abastecendo o mercado pro bandido.
Eu, armado, infeliz e moribundo,
Num disparo, retirando-me do mundo.
“Requiem aeternam dona eis.”
Cláudia Ferreira
23 de fevereiro de 2021