O ano é 2050. Depois de décadas da
epidemia que levou à morte milhares de infectados, no navio que permaneceu
ancorado, à época, em observação, e depois, desinfetado e liberado para o uso,
um cozinheiro entra em contato com uma substância esponjosa e úmida, ao limpar
os cantos de um dos armários de utensílios.
Alguns dias depois, o homem, que era
conhecido por ser rude, grosseiro e radical, destilando seu ódio por toda a
tripulação, começou a tratar todos com educação e simpatia.
A princípio, todos estranharam, visto
que os piores sentimentos haviam se tornado regra na sociedade, e alguns, que
eram seus fãs e até o imitavam, tomando-o como exemplo de austeridade e
disciplina, condenavam-no, por ter apresentado tal mudança. E quanto mais os
dias se passavam, mais ele modificava sua postura e atitudes, tratando bem até
as mulheres da equipe, o que não lhe era peculiar. Assim, sua gentileza começou
a se espalhar pelo navio, pelo porto, pela cidade, pelo país, e ganhou o mundo!
Nos lares, ruas, enfim, por todos os ambientes, a felicidade podia ser vista no
semblante da população.
Até que o grupo que se decepcionou
com a mudança daquele homem e não aprovava um mundo tão fraterno, organizou-se
e chegou ao poder. Assim que tiveram a chance, dominaram a Ciência e seus
laboratórios, na pesquisa de uma vacina contra esse “novo vírus”. Pessoas que,
há trinta anos, não tomavam vacinas foram as primeiras a procurar os postos de
vacinação. Mas, a maioria entendia que, pela primeira vez, em muitos anos, seus
anseios de uma sociedade mais justa e amável estavam se realizando e, em massa,
boicotaram a vacina, mesmo sendo, em alguns lugares, imposta à população sob a
mira de armas.
Trinta anos podem ter sido muito
para alguns, mas a mudança aconteceu. Aqueles que se negaram a tomar a vacina
conseguiram perpetuar, na espécie humana, valores que pareciam escondidos ou
que as pessoas tinham vergonha de deixar transparecer, porque o vírus do ódio
havia se disseminado até então.
A substância esponjosa e úmida com a
qual o cozinheiro teve contato era o botão de uma flor extinta, assim como
outros vegetais e animais, e o “novo vírus” era o amor, sobrevivente, em nós.
Cláudia Ferreira
04 de março de 2020